Contagem decrescente

domingo, 12 de agosto de 2007

Alucinação III

A bela donzela detém-se subitamente, ao observar no horizonte o bravo guerreiro. O seu coração palpita, a sua respiração torna-se ofegante e começa a correr desenfreadamente para o seu amado. A corrida parece interminável, apesar das escassas dezenas de metros que os separam. O guerreiro aguarda de braços abertos. A donzela chega junto dele e tenta abraçá-lo com inimaginável avidez. Mas era só uma miragem… A imagem desvanece, e o branco da paisagem começa a transformar-se. Tons de púrpura dominam agora o horizonte, relâmpagos iluminam bruscamente o cenário agora ameaçador, fazendo-se a fúria divina ouvir através de ensurdecedores trovões. Chamas infernais avançam para a apavorada donzela, surge um casulo de fogo que a absorve sem qualquer resistência. O casulo retoma então o seu lugar na demoníaca geometria tridimensional. A donzela vê assim cumprida a punição celestial pelo seu pecado, por ter sucumbido ao desejo.

A ordem infernal encontra-se então reposta. Os casulos de fogo, consumidores de almas pecaminosas, dominam o espaço em todas as suas dimensões. Todavia, uma súbita e insólita energia parece irromper agora de dois casulos afastados e aparentemente não relacionados. A nova força cria um magnetismo poderosíssimo, à medida que dois focos de luz branca se aproximam, irradiando dos dois casulos e quebrando o equilíbrio entre o vermelho do fogo e o negro das trevas profundas. Tudo é destruído à sua passagem e assim que os dois focos de luz se encontram forma-se um corredor luminoso entre os dois casulos, agora já não de fogo, mas de uma alva luminosidade intensa. No seu interior distinguem-se já dois corpos, o guerreiro e a donzela. E à medida que se aproximam, os dois corpos ganham vida. A união completa-se então num beijo que envergonha a eternidade. E à sua volta tudo rui: todos os casulos são consumidos pela luz branca e o Inferno torna-se apenas uma lembrança do passado. Um festival de relâmpagos e trovões anuncia também o colapso do Paraíso, enquanto os dois amantes permanecem indiferentes no seu beijo.

Uma inversão no tempo e no espaço fez retornar os apaixonados destruidores do equilíbrio milenar entre Inferno e Paraíso à sua origem. E eles regressaram ao seu reino longínquo, no meio das montanhas, a um período de paz e harmonia, anterior à guerra que tanta devastação causara e que os conduzira à grande viagem pelo Inferno e pelo Paraíso. E viveram felizes para sempre, sabendo que não mais voltariam a ter que fazer a grande viagem…

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