Contagem decrescente

sábado, 5 de janeiro de 2008

O implacável ser invisível

Há uma semana atrás fui vítima de uma agressão vil e cobarde. Dirigi-me a um restaurante para efectuar uma reserva para a passagem de ano (não é preciso ter ciúmes, minhas queridas amigas, pois tratou-se apenas de um jantar que reunia um grupo de bons amigos, em perfeita harmonia de reveillon). Devo referir que fui apenas efectuar a reserva e deixei o carro mal estacionado (espero que ninguém da Polícia Municipal leia este blog). Estava, pois, cheio de pressa para regressar à minha viatura, que deixei a trabalhar, num lugar reservado a deficientes (e quase fazia jus ao lugar…). Saí disparado, a correr, quando fui surpreendido por um ser invisível que me bateu violentamente no nariz. Imaginem a minha surpresa ao ser inesperada e barbaramente agredido no nariz sem ter dado conta previamente de qualquer ameaça potencial!

E eis que se fez luz no meu espírito, algo apagado naquele dia, quando ouvi um impacto violento do ser invisível contra a parede, no instante imediato após a agressão de que fora vítima. Percebi então que se tratava de uma porta de vidro que estava lá, tranquilamente fechada, à espera que alguém a abrisse delicadamente e com toda a tranquilidade. A minha corrida desenfreada de cinco metros sem obstáculos terminou com toda aquela pacatez, própria de um restaurante ainda fechado ao público, ao perturbar o repouso transparente daquela porta. E ela era de facto transparente, daí a sua invisibilidade. A pancada foi forte e violenta; a porta, feita de um vidro espesso, pesada, acabou projectada contra a parede, abrindo num ângulo de 90 graus e produzindo um ruído verdadeiramente apocalíptico. Pensei, por instantes, que tinha destruído aquele ser invisível, despedaçando-o em mil bocados apenas com a força de projecção do meu nariz. Mas não, a porta era resistente e não partiu, apesar da violência do embate (ou dos dois embates, se preferirem: primeiro com o meu nariz, e depois com a parede).

Depois, pude finalmente preocupar-me com o meu nariz. O choque inicial, mais do que dor, provocou-me uma enorme surpresa, pois não estava mesmo nada à espera de uma interrupção tão firme na minha corrida decidida. Pensei então, na minha ingenuidade mais pura, que estava tudo bem com o meu nariz e que poderia seguir o meu caminho, dado que a porta até tinha ficado inteira. Reparei, porém, que os funcionários do restaurante, que tinham acabado de chegar para preparar a recepção aos inúmeros clientes de uma noite fria de sábado, olhavam para mim de uma forma esquisita, como se eu fosse portador da peste bubónica. Contrariamente ao que pensava, estava a sangrar abundantemente pelo nariz.

Pela primeira vez na vida fui assistido pelo INEM. Espero, se tal se repetir, que seja em circunstâncias semelhantes, pois acabou por ser uma experiência pouco dolorosa e, de alguma forma, bem-disposta. Não parti o nariz, apenas fiquei com o nariz inchado, negro e com uma pequena ferida e já estou quase pronto para outra.

Tranquilizai-vos, pois, minhas queridas noivas, não há ser invisível que impeça o meu casamento. Estou aqui de braços abertos, (quase) intacto, à espera do meu amor, da minha paixão. Simplesmente não vos recomendo que comam arroz de cabidela nos próximos tempos, nos restaurantes de Coimbra.

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