Contagem decrescente

domingo, 15 de julho de 2007

Carta ao bispo de Viseu (1998)

Em 1998, após a realização do primeiro referendo sobre a despenalização da IVG, escrevi ao Bispo de Viseu a carta que a seguir transcrevo. Aproveito, pois, a recente revelação das minhas “santas” origens para partilhar convosco esta minha incursão contra o clero. Faço notar que, apesar de manter o anonimato neste blog, na carta original assinei com o meu verdadeiro nome.

«Exmo. Sr. Bispo de Viseu,

Antes de mais deixe-me felicitá-lo pela vitória tangencial do “Não” no referendo sobre a despenalização do aborto. É, no entanto, óbvio que se trata de uma vitória muito pouco expressiva, principalmente quando falamos de um país onde se diz que mais de 90% da população é católica e quando essa vitória, além de tangencial, envolve uma abstenção de cerca de 70%. Assim, só posso concluir que a Igreja teve não uma vitória mas sim uma pesada derrota (afinal era dever de todos os católicos votarem “Não” e rejeitarem esta lei; todavia, só pouco mais de um milhão de portugueses se deram ao trabalho de o fazer). Agora só tenho curiosidade em saber como é que o senhor Bispo vai conseguir excomungar mais de um milhão de pessoas que votaram “Sim” (é melhor deitar já mãos à obra que a tarefa é dura!). Eu sou uma dessas pessoas e desde já convido o senhor Bispo a preparar a minha excomunhão.

De tudo isto eu só posso concluir que a Igreja está de facto a perder peso na sociedade portuguesa. Eu sei que é duro para muita gente da Igreja, talvez também para o senhor Bispo, viver num país onde o Estado é laico e onde a Igreja já não tem o peso na governação do país que tinha durante o Estado Novo (ai que saudades desses tempos em que o regime político contribuía para manter uma população imbecil, obediente e sempre pronta a seguir os sábios conselhos da padralhada – tempos gloriosos em que seria impensável a realização de um referendo destes!). Também já vão longínquos os tempos da Santa Inquisição (esses ilustres tempos em que escasseavam os adversários da Igreja, pois esta possuía o santo e divino dom de os poder eliminar ou simplesmente torturar!). Mesmo assim a Igreja continua a ter algum peso na sociedade civil. Mas não há mal que sempre dure e a geração mais jovem, tal como é possível verificar pelas sondagens para o referendo, já não se deixa influenciar tão facilmente pela Igreja. Aliás, até têm vindo a prosperar e a expandir-se os cultos satânicos (a concorrência é lixada)…

Relativamente à questão da despenalização do aborto, é pena que a nova lei não tenha sido aprovada de forma vinculativa no referendo, pois tal só traria vantagens. Imagine o senhor Bispo se na altura em que Vossa Eminência nasceu já fosse possível abortar de forma legal em qualquer estabelecimento de saúde autorizado: certamente o senhor não seria hoje o Bispo de Viseu, o mesmo acontecendo com muitos dos seus colegas de outras dioceses. E talvez tivéssemos hoje na Igreja pessoas mais flexíveis, mais abertas ao diálogo, mais compatibilizadas com a sociedade actual e mais preocupadas com os problemas sociais da população.

Mas voltando ao resultado do referendo, gostaria de lembrar ao senhor Bispo que depois da euforia da vitória do “Não” há que começar já a pensar nas próximas lutas contra os autênticos genocídios que se sucedem no quotidiano da nossa sociedade. Já pensou na quantidade de espermatozóides que são exterminados de cada vez que uma mente diabólica se lembra de utilizar o preservativo no acto sexual? O senhor Bispo deve propor desde já à classe política a criminalização do uso do preservativo. Vamos acabar com essa pouca-vergonha!

Para terminar esta carta gostaria de lhe dedicar um excerto de um poema da autoria de Fernando Ribeiro, líder e vocalista da banda MOONSPELL. Trata-se da letra da música contida na faixa nº11 do último álbum desta banda, “Sin/Pecado”, o qual eu recomendo vivamente ao senhor Bispo (se estiver interessado em ouvir verdadeiro metal, ouça também algumas melodias dos Cradle of Filth, Dimmu Borgir, Samael, Darkthrone, Dark Funeral, Deicide, entre outros). Mas passemos então ao prometido excerto da canção “Let The Children Cum To Me”:

“(…) They say that God is inside us all, and sometimes He is
not in the way that I have preached for to wish to
but God is my lover and I love Him too

He acts in mysterious ways
He has such mysterious shapes
‑ I know them all from inside out
and in one by one I do believe – no matter how

and They say that the tongue who prays is the tongue which licks
and that the ones who kneel in four shall stand
to be loved by God without having the grace
to see who is behind them now, wearing God’s face (…)”.

Respeitosamente, “vobiscum Satanas”

[Weddingland], 25 de Setembro de 1998

[The Groom]»

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